Certa vez, eu perguntei a ele como deveriamos chamá-lo e ele me perguntou como o estávamos chamando. Eu respondi que simplesmente o chamávamos de mentor, já que ele se portava como se fosse nosso mentor espiritual. E ele respondeu "mentor é um nome apropriado pra mim. Pequeno e simples, como eu sou".
Foi ele quem repetidas vezes me ensinou a não dar tanta importância ao rótulo das coisas. Ele disse por diversas vezes a frase que cada vez mais entendo e adoto: "nomes, apenas nomes".
Nós temos o costume de nos prender aquilo que é detectado pelos sentidos. Como se não bastasse, ainda nos esquecemos de nossos sentidos internos, que até poderiam ajudar a manter o equilíbrio nesse aspecto, porque os sentidos físicos não são ruins, o ruim é o fato de darmos muita ênfase para eles, nos desligando de nossa origem espiritual. Com isso, passamos a ter dificuldade em captar aquilo que vem do Alto, dos planos internos. Muitos cometem o erro gravíssimo de tentar revestir ensinamentos, ou mestres, ou discípulos, com suas expectativas de como devem ser apresentados, ao invés de simplesmente aceitarem como eles são. Ao invés de simplesmente aceitar a essência das coisas, pois a Essência veio pura, imaculada de sua fonte, e não temos o direito de interferir nisso. Até porque, muitas vezes nessa "descida", ou "exteriorização", como queiram, é feito um esforço, uma movimentação de energias para não se perder nada do que está sendo transmitido, e que muitas vezes aqueles que recebem isso nem se dão conta. E como se não bastasse, ainda tentamos revestir essas coisas com nossas expectativas.
Olhem a vida de Jesus. Ele poderia ter escolhido 12 entre os essênios. Ou entre os iniciados do Egito. Mas para o acompanhar, escolheu almas simples, homens rudes, cheios de defeitos à vista da sociedade. E isso não seria possível se essas almas, primeiro, não tivessem ainda recebido o Chamado interno e, segundo, não fossem desapegadas de expectativas, pois, externamente, Jesus era um jovem por volta dos 30 anos e talvez alguns dos apóstolos fossem 10 anos mais velhos. Se não tivessem recebido o Chamado interno jamais seguiriam alguém mais jovem, ainda mais demonstrando uma autoridade que não tenha sido passada por nenhum representante do templo. Sem falar do povo que não o seguiu por ter a expectativa de que um rei só é rei usando coroa, e que um mestre só é mestre se receber autoridade do templo.
É assim que nos portamos, projetando, sem perceber, nosso ego nas coisas, pessoas e situações. Esperamos que um mestre se comporte de uma determinada forma, ou que um discípulo precise ter determinada postura, ou que os ensinamentos tenham que vir somente de determinada maneira ou através de determinada pessoa.
Não importa como venham. Não importa em que forma venham. Não importa através de quem venham.
Se você comer diversos tipos de uma mesma fruta, ao final, ficará alimentado. E não foi apenas um tipo que te alimentou, mas todas as espécies daquela fruta serviram para o propósito. Assim também o é com os ensinamentos. Sinta apenas a fome. Se entregue e, só assim, poderá receber verdadeiramente a essência dos ensinamentos. Acaso não foi Paulo de Tarso que usou sua vida de perseguidor de cristãos para demonstrar a transformação que houve em sua vida? Não é através da conversão de Francisco de Assis, um homem que chegou a empunhar a espada que encontramos a lição do desprendimento? E não foi São Agostinho, em sua juventude, tão rebelde e arruaceiro? Ora, se esses homens transformaram suas vidas, não percebemos que em nossos erros, em nossas quedas, também pode haver ensinamentos valiosos? Basta nos levantarmos e sair da situação para conseguir perceber.
pois pode ser que aquilo que chamas de desgraça, seja um ensinamento te sendo entregue de forma que grave bem em teu íntimo. Aquilo que chamas de crítico, pode ser apenas uma alma responsável por te ajudar a detectar seus defeitos. Aquilo que chamas de preguiça, pode ser a oportunidade para vencer teus próprios obstáculos. Aquilo que chama de dor, pode ser o momento que te ajuda a perceber que a dor é inevitável, mas o sofrimento é opcional.
É preciso que nos esforcemos para perceber, para sentir a essência das coisas, só assim será possível fazer a cura do apego às coisas externas e a cura da expectativa.
É isso.
J. D. Santiago
"...
Antes que a Alma seja capaz de ver, a Harmonia interna deve ser alcançada, e os olhos da carne devem se tornar cegos a toda ilusão.
Antes que a Alma seja capaz de ouvir, a imagem (o homem) deve se tornar surda tanto aos rugidos como aos sussurros, tanto ao som dos elefantes em fúria como argênteo zumbido do vagalume dourado.
Antes que a Alma possa compreender e seja capaz de recordar, ela deve se reunir com Aquele que fala em silêncio, assim como a forma com a qual o barro foi inicialmente modelado estava unida à mente do oleiro.
Pois então a Alma ouvirá e recordará.
E então ao ouvido interior falará - A Voz do Silêncio.
..."
(trecho retirado do Fragmento I do livro A Voz do Silêncio, de Helena P. Blavatsky)